Lisboa–Coimbra em 1h36: a viagem que mostra um país entre estações

Num dia cinzento de novembro, uma viagem entre Lisboa e Coimbra revela o estado das infraestruturas portuguesas — e que não impressiona.

1 de novembro, Lisboa

É o primeiro dia de novembro. O verão despediu-se com uma chuva leve, constante, daquelas que caem sem pressa — como se o céu estivesse cansado de ser azul. Lisboa acorda encolhida sob 15 graus e um silêncio metálico. À porta da Estação do Oriente, passa um autocarro turístico vazio. Lá dentro, os painéis digitais falham como quem perdeu a hora. Há manchas nas paredes e pedaços de futuro a descolar das vigas.

A arquitetura continua imponente, mas perdeu o brilho. O que foi símbolo de modernidade nos anos 2000 parece agora um cenário de ficção científica… passada.

Lembro-me quando isto parecia o futuro, encostado a uma coluna rachada. “Agora parece só… Lisboa cansada.”

O comboio apita. São 9h06. O Alfa Pendular está prestes a partir para Coimbra.

O comboio que já foi moderno

Há mais de duas décadas, o Alfa Pendular representava o avanço ferroviário em Portugal. Um comboio elegante, veloz, inclinado para cortar as curvas do território com mais eficiência. Hoje, cumpre a promessa do tempo — 1h36 entre Lisboa e Coimbra — mas já não deslumbra. Trepida. Range. Os bancos denunciam idade. A Internet falha. A experiência está longe da inovação que um dia simbolizou.

“Parece um comboio do museu ferroviário”, murmura uma passageira inglesa. “Mas ainda assim… é melhor que conduzir.”

Comparar para entender

  • Comparar para entender

    O bilhete custa 27 euros. Quase quatro vezes mais do que uma viagem de FlixBus entre as duas cidades. E, no entanto, o conforto não é proporcional ao preço. Desta vez, neste sábado o bilhete era apenas 2 vezes mais caro que o de autocarro, mas tendo em conta que demora quase uma hora a menos de viagem, talvez venha a se justificar a diferença de preço.

  • Portugal entre estações

    A viagem Lisboa–Coimbra é rápida. Mas o país que ela revela move-se devagar.
    As infraestruturas ferroviárias cumprem o básico. Mas estão longe da excelência. A paisagem continua bela. Mas as cicatrizes industriais permanecem visíveis.
    E talvez seja essa a maior lição desta viagem: entre estações, Portugal continua em trânsito.

    O comboio regressa a Lisboa. A chuva mantém o compasso. O país, também.

Estação do Oriente: “Símbolo do futuro que envelheceu”

A Estação do Oriente continua a impressionar de longe — a estrutura de ferro e vidro de Santiago Calatrava, com as suas colunas a lembrar asas, ainda faz parte da paisagem icónica de Lisboa. Mas basta aproximar-se para perceber que a beleza é apenas uma memória.

As escadas rolantes estão fechadas com fitas há meses. O chão, sujo e pegajoso, mistura lixo, pombas e o cheiro ácido de urina que sai de uma parede transformada, na prática, num urinol público. O vidro rachado nas passagens superiores reflete um país que parece ter desistido de cuidar do que construiu.

“Isto é o cartão-de-visita de Lisboa?”, pergunta uma passageira inglesa, surpreendida. “Se o futuro do país começa aqui, então alguém se perdeu no caminho.”

A questão é inevitável: como é possível que uma das estações mais icónicas de Portugal — inaugurada com pompa, projetada por um dos arquitetos mais famosos do mundo, orgulho da Expo 98 — esteja hoje neste estado de degradação?

Não é uma questão de estética. É de respeito.
Respeito pelos contribuintes que pagam bilhetes, impostos e promessas.
Respeito pelos turistas que chegam e pensam estar a entrar num país moderno.
Respeito, sobretudo, por uma cidade que se habituou a conviver com a decadência como se fosse normal.

A cada pomba que entra pelos corredores, a cada escada que deixa de funcionar, a cada parede que cheira a abandono, há uma pergunta silenciosa que ecoa pelos carris:

Para onde vai o dinheiro dos contribuintes?

Porque a estação do Oriente não é apenas uma estação — é o retrato de um país que se conformou com a desordem. Uma vitrine partida, onde o futuro apodrece à vista de todos.

O comboio parte pontualmente às 09h06. O som das rodas sobre os carris ganha um compasso hipnótico — metálico, constante, quase tranquilizador. Lá fora, Lisboa desaparece depressa. As torres, as pontes, o betão. Em poucos minutos, o cenário urbano dissolve-se num verde imenso, pontuado por oliveiras e telhados de aldeia. É o Portugal rural que se revela melhor pela janela de um comboio do que por qualquer estrada.

O interior surpreende pela amplitude e conforto. Há espaço para as pernas, cadeiras largas, silêncio. A temperatura é agradável e o movimento suave.
Um ecrã digital indica a velocidade — 216 quilómetros por hora — e há algo fascinante em ver o número subir e imaginar o país a passar lá fora, num desfoque de cores e memórias.

As casas tornam-se quintas, as quintas tornam-se campos, e o tempo parece desacelerar — mesmo quando o comboio acelera. É uma sensação estranha e boa: viajar rápido, mas sentir calma.

De tempos a tempos, uma senhora empurra um carrinho de metal pelo corredor, oferecendo café, sandes e bolachas. O serviço é pago, mas o gesto tem algo de acolhedor, quase nostálgico — lembra os tempos em que viajar de comboio era uma pequena cerimónia, não apenas um meio de transporte.

No WC, o espaço é limpo, funcional, bem iluminado — e só isso já marca uma diferença. Não há turbulências, nem paragens longas, nem atrasos. Tudo flui com uma simplicidade rara em tempos de filas e esperas.

É fácil esquecer, por momentos, as falhas do sistema. Porque viajar assim — sentado, em silêncio, a ver o país passar — ainda é uma das formas mais bonitas de atravessar Portugal.

A CHEGADA A COIMBRA

As primeiras impressões misturam surpresa e curiosidade. A paisagem ao redor é aberta, com árvores, relvados e um ar quase campestre — o que contrasta com a imagem que normalmente se tem de Coimbra, cidade universitária, movimentada e cheia de história.

A sensação é a de ter chegado a um porto calmo antes de entrar no coração da cidade.

A estação, por sua vez, está em obras. Placas tapam passagens, andaimes erguem-se junto às paredes antigas. O pó e o ruído das máquinas convivem com o fluxo discreto de passageiros. É impossível não pensar no contraste com Lisboa: aqui, onde se vê o desgaste, também se vê trabalho. Há um sinal claro de que alguém ainda acredita em renovar em vez de abandonar.

Enquanto observo, o comboio muda de fôlego. Passageiros descem, outros sobem com malas pequenas e cafés na mão. Poucos minutos depois, o Alfa Pendular apita de novo — e parte, elegante, em direção ao Porto. O som das rodas a afastar-se pela linha é breve, mas deixa uma sensação boa de missão cumprida.

A viagem termina, mas o movimento não. Há algo de simbólico em ver o comboio desaparecer — como se o país seguisse viagem, mesmo quando nós paramos.

Viajar é observar — e fotografar é prolongar esse instante. As imagens desta reportagem foram captadas com uma Canon R5 e a lente 28–70mm f/2.8, companheiras fiéis nesta travessia. Precisas, rápidas e silenciosas, responderam com a mesma elegância com que o comboio atravessou Portugal.